Unicamp 2025: Linguagens
34. (UNICAMP 2025) Texto 1
Em Raízes do Brasil (São Paulo, Companhia das Letras, 2016), Sérgio Buarque de Holanda argumenta que as formas de convívio social no país seriam ditadas preferencialmente por uma ética de fundo emotivo: a cordialidade. No entanto, a cordialidade não seria sinônimo de afetividade ou de gentileza. Ela corresponderia a um mecanismo de defesa do indivíduo diante da sociedade e reforçaria sentimentos particularistas e antipolíticos, característicos do ambiente doméstico. Ao tipo social guiado pela ética da cordialidade, o autor dá o nome de homem cordial.
Texto 2
"Sabe, no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de
lirismo (além da sífilis, é claro)
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar,
esganar, trucidar
Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora...
(...)
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto”
(Trecho da canção “Fado Tropical”, de Chico Buarque de Holanda, 1973).
Tendo em vista os textos 1 e 2, é possível afirmar que o homem cordial
- manifesta adesão a normas de convívio pessoalizadas, marcadas pela ética da cordialidade e pela centralidade de vínculos privados mesmo em espaços coletivos e públicos.
- é um tipo social que se originou na colonização portuguesa, marcado pela ética emotiva e solidária da cordialidade e por uma prática de cunho coletivo e supraindividual.
- percebe, como ambiente propício ao seu desenvolvimento individual, a vida em sociedade; para ele, a ética da cordialidade permite a impessoalidade dos vínculos sociais.
- manifesta um apego aos valores da personalidade configurada pelo recinto doméstico, ambiente próprio da concorrência entre os cidadãos.
Texto comum às questões 35 e 36.
Leia o trabalho da grafiteira e muralista Simone Siss (Texto 1), reconhecida por abordar temáticas femininas em sua obra.
Texto 1
Abri 1 livro. Me li inteira!
Sim... Eu falo meus nãos.
Sou Maria... E vou com as outras!
Moro mesmo dentro de mim.
(SISS, S. O que tenho dentro de nós. Grafite em muro no centro de Campinas. 2024. Reprodução fotográfica.)
35. (UNICAMP 2025) Esse trabalho da artista Simone Siss expressa
- um ato de militância, sugerido pelo emprego de substantivos e adjetivos que fazem referência explícita à luta feminina, representada pela figura de uma mão que empunha uma lata de spray.
- uma experiência intimista, evidenciada por pronomes e verbos em primeira pessoa, dentro de um plano imagético no qual uma mão feminina, por meio de uma lata de spray, expõe a condição de quem a segura.
- um gesto identitário, marcado pela predominância de adjetivos e pronomes femininos em alusão à força da mulher, que é sinalizada por uma lata de spray integrada à mão que a aperta.
- uma manifestação subjetiva, ilustrada pela ocorrência de substantivos e verbos no singular integrados a uma imagem na qual uma mão feminina textualiza seus sentimentos por meio de uma lata de spray.
36. (UNICAMP 2025) Texto 2
Maria era uma boa moça
Pra turma lá do Gantois
Era Maria vai com as outras
Maria de coser, Maria de casar
Porém o que ninguém sabia
É que tinha um particular
Além de coser, além de rezar
Também era Maria de pecar
(Fragmento da canção Maria vai com as outras, de Vinícius de Moraes e Toquinho, gravada em 1971.
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Um dos principais terreiros de candomblé da cidade de Salvador. Pronuncia-se gantoá A partir da forma e do significado da expressão “maria vai com as outras”, podemos afirmar que
- o texto 1 e o texto 2 a ressignificam, visando tanto subverter o senso comum sobre a condição feminina na sociedade quanto introduzir uma perspectiva a partir da qual a mulher seja vista como a responsável por suas escolhas.
- o texto 1 preserva o sentido da expressão, no intuito de valorizar o lugar da mulher na produção artística, enquanto o texto 2 o altera para mostrar uma personagem em dissonância com as expectativas da sociedade.
- enquanto o texto 1 altera a forma da expressão para lhe atribuir um valor positivo na associação com outras mulheres, o texto 2 explora o sentido original da mesma expressão e singulariza a personagem retratada.
- o significado da expressão é preservado tanto no texto 1 quanto no texto 2, mas a sua forma é alterada para destacar a figura feminina como tendo uma personalidade própria, que não se deixa influenciar por outras mulheres.
Texto comum às questões 37 e 38.
Legenda das falas do último quadrinho:
“Quantos títulos eu tenho? / Quem foi meu avô?”
(Quadrinhos de Wesley Samp. Disponível em https://westrips.com.br/author/wesleysamp/. Acesso em 04/05/2024.)
37. (UNICAMP 2025) Na tira de Wesley Samp, a relação entre o verbal e o não verbal se dá por meio de uma
- troca nas posições de autoridade a partir de mudanças na altura de uma das personagens. 13
- alteração na dimensão física das personagens em função daquilo que é enunciado.
- reafirmação das experiências sociais de poder em consonância com o tamanho daquele que fala.
- inversão de proporcionalidade entre o conteúdo do que é afirmado e a estatura de quem o afirma.
38. (UNICAMP 2025) Enquanto o povo da cidade se sentia muito importante, eu, por minha vez, me sentia necessário. Eles, porém, não me viam como alguém necessário, me viam como alguém útil. Para eles eu era um servidor, um serviçal. Eu era útil, mas poderia ser substituído porque não era necessário. Percebi que o povo da cidade tinha relações de utilidade e importância, mas não tinha relações de necessidade. Para nós, a pessoa que é importante não é quase nada. É aquela pessoa que se acha ótima, mas não serve. O termo que tem valor para nós é necessário. Há pessoas que são necessárias e há pessoas que são importantes. As pessoas que são importantes acham que as outras pessoas existem para servi-las. As pessoas necessárias são diferentes, são pessoas que fazem falta. Pessoas que precisam estar presentes, de quem se vai atrás.
(SANTOS, Antônio Bispo dos. A terra dá, a terra quer. São Paulo: UBU/Piseagrama, p. 24, 2023.)
Considerando o ponto de vista apresentado no texto de Antônio Bispo dos Santos sobre os “tipos de pessoa”, a personagem que fala nos quadrinhos de Wesley Samp pode ser caracterizada como alguém que
- se acha ótimo por ser importante.
- não é importante, embora se considere ótimo.
- é desnecessário, porque não tem importância.
- se considera útil, apesar de ser importante.
39. (UNICAMP 2025) Qual o macete de ‘Macetando’? Macetar, verbo transitivo: “golpear (alguém ou algo) com maceta ou macete, um martelo de cabo curto”. A definição está nos dicionários, mas o carnaval, como de praxe, mascarou o significado a seu bel-prazer. O coro da multidão que acompanhou Ivete Sangalo na abertura da folia de Salvador comprova que essa é a época ideal para enriquecer o vocabulário. Música gravada pela cantora baiana com participação de Ludmilla, “Macetando” despontou como hit nacional ao encher a boca do povo com o refrão-chiclete: “Ah, bebê, é a Veveta que tá no comando / Macetando, macetando, macetando...”.
(Adaptado de CUNHA, G. Qual o macete de ‘macetando’? O Globo (versão online), 10/02/2024.) Na letra da música em questão, um dos aspectos que contribuem para o mascaramento do significado de macetar é
- a ocultação do sujeito do verbo.
- o uso repetido do verbo no gerúndio.
- o processo de adjetivação do verbo.
- a ausência de complemento para o verbo.
40. (UNICAMP 2025) O “duplo sentido” a que o autor se refere está relacionado a uma
- visão bem-humorada sobre as inovações do celular e é produzido pelas interpretações de “mais”, que expressa intensidade e adição ao mesmo tempo.
- perspectiva crítica sobre os usos que vêm sendo feitos do celular e resulta dos significados de “ligar”, que pode indicar tanto uma ação quanto um juízo de valor.
- postura irônica sobre os usuários do celular e deriva dos usos de “ninguém”, que indetermina o sujeito e o objeto no parágrafo em que ocorre.
- visão pessimista sobre o futuro do celular e depende dos sentidos de “para”, que remete ao destinatário de uma mensagem e ao lugar em que se encontra.
41. (UNICAMP 2025) O excerto a seguir, do livro Alice no país das maravilhas, de Lewis Carrol, narra o encontro entre a protagonista e o Gato de Cheshire:
O Gato apenas sorriu ao avistá-la. Alice achou que ele parecia afável. Mas como tinha garras muito compridas e dentes bem graúdos, sentiu que devia tratá-lo com respeito.
– Gatinho de Cheshire – começou a dizer timidamente, sem ter certeza se ele gostaria de ser tratado assim, mas ele apenas abriu um pouco mais o sorriso. “Ótimo, parece que ele gostou”, pensou ela, e prosseguiu: – Podia me dizer, por favor, qual é o caminho para sair daqui?
– Isso depende muito do lugar para onde você quer ir – disse o Gato.
– Não me importa onde... – disse Alice.
– Nesse caso não importa por onde você vá – disse o Gato.
– ...conquanto que eu chegue a algum lugar – acrescentou Alice como explicação.
– É claro que isso acontecerá – disse o Gato –, desde que você ande por algum tempo.
(CARROLL, L. Aventuras de Alice no país das maravilhas. Tradução de Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: Editora 34, p. 68-69, 2016.)
A partir da leitura do trecho e da compreensão do todo da narrativa, pode-se afirmar que o excerto é um exemplo
- do afeto que marca o contato que Alice estabelece com os habitantes do país das maravilhas.
- do estranhamento que Alice experimenta ao conhecer seres que não existiam no mundo de onde ela veio.
- da descoberta, por parte de Alice, do domínio que ela tem sobre as situações no país das maravilhas.
- da percepção, por parte de Alice, de que as palavras não têm sempre o mesmo sentido para quem as usa.
42. (UNICAMP 2025) A citação a seguir, de Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá, de Lima Barreto, apresenta como o narrador conheceu o protagonista.
Num país em que, com tanta facilidade, se fabricam manipansos milagrosos, ídolos aterradores e deuses onipotentes, causa pasmo que a Secretaria dos Cultos não seja tão conhecida como a da Viação. Há, entretanto, nela, no seu Museu e nos seus registros, muita cousa interessante e digna de exame. Foi, por ocasião de desempenhar-me da incumbência do meu diretor, que vim a conhecer Gonzaga de Sá, afogado num mar de papeis, na seção de “alfaias, paramentos e imagens”, informando muito seriamente a consulta do vigário de Sumaré, versando sobre o número de setas que devia ter a imagem de S. Sebastião.
(BARRETO, Lima. Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá. São Paulo: Edição da Revista do Brasil, p. 17, 1919.)
A partir dessa citação e da leitura do romance, é correto afirmar que Lima Barreto usa a personagem Gonzaga de Sá para
- criticar um funcionário que prejudica o andamento da burocracia estatal.
- representar um sujeito que usa o serviço público para impor sua fé ao Estado.
- mostrar o valor do indivíduo em meio à sátira da burocracia estatal.
- figurar um sujeito que usa a religião para sua ascensão no serviço público.
43. (UNICAMP 2025) “Vou ao espelho tentar descobrir o que há de errado em mim. Vejo olheiras negras no meu rosto, meu Deus, grandes olheiras! Tendo andado a chorar muito por estes dias, choro até de mais”.
(CHIZIANE, Paulina. Niketche. Uma história de Poligamia. São Paulo: Companhia das Letras [Companhia de Bolso], p. 14, 2021.)
“Lembro-me ainda do temor de minha mãe nos dias de fortes chuvas. Em cima da cama (...) ela nos protegia com seu abraço (...). Nesses momentos os olhos de minha mãe se confundiam com os olhos da natureza. Chovia, chorava! Chorava, chovia! Então, por que eu não conseguia lembrar a cor dos olhos dela?”
(EVARISTO, Conceição. Olhos D’água. Rio de Janeiro: Pallas; Fundação Biblioteca Nacional, p. 17-18, 2016.)
A partir da leitura dos trechos e da compreensão do todo da narrativa, podemos afirmar que, comparativamente, os textos exprimem,
- pelo par “olheiras/abraço”, o medo feminino diante dos problemas econômicos e ecológicos do Sul Global.
- pelo par “espelho/águas”, o narcisismo feminino em um ambiente sociocultural altamente desigual.
- pela relação entre as águas e as lágrimas, a submissão feminina diante dos problemas econômicos e ecológicos do Sul Global.
- pela relação entre as águas e as lágrimas, o desamparo feminino em um ambiente sociocultural altamente desigual.
44. (UNICAMP 2025) “(...) Tão geladas as pernas e os braços e a cara que pensei em abrir a garrafa [de conhaque] para beber um gole, mas não queria chegar na casa dele meio bêbado, hálito fedendo, não queria que ele pensasse que eu andava bebendo, e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui pensando também que ele ia pensar que eu andava sem dinheiro, chegando a pé naquela chuva toda, e eu andava, estômago dolorido de fome, e eu não queria que ele pensasse que eu andava insone, e eu andava, roxas olheiras (...)”.
(ABREU, Caio Fernando. Além do ponto. Morangos Mofados. São Paulo: Companhia das Letras, p. 42, 2019.) No conto “Além do ponto”, observa-se que o contraste entre o “eu”, personagem que deseja, e o “ele”, personagem imaginado,
- é criado por formas verbais no pretérito imperfeito do indicativo (“queria”, “andava”) e pretérito imperfeito do subjuntivo (“pensasse”).
- é criado pelo uso de orações negativas (“eu não queria”) e do pretérito imperfeito do indicativo (“eu andava”).
- é criado pela polissemia do verbo “andar”, usado no sentido de “caminhar”/ ”deslocar-se” e no de “seguir”/“progredir”.
- é criado pelo uso de formas verbais no gerúndio (“bebendo”, “chegando”) e pela repetição de orações negativas (“eu não queria”).
45. (UNICAMP 2025) Em “Sonhos para adiar o fim do mundo”, o pensador Ailton Krenak conta-nos que um pajé Xavante sonhou que a terra ficaria desolada diante da ação predatória dos homens brancos.
Escreve Krenak no livro:
“Foi ali que eu atinei que tinha algo na perspectiva dos povos indígenas, em nosso jeito de observar e pensar, que poderia abrir uma fresta de entendimento nesse entorno que é o mundo do conhecimento. Naquele tempo eu comecei a visitar as florestas (...) e, por todos os lados, os pajés diziam: ‘vocês precisam tomar cuidado porque o mundo dos brancos está invadindo a nossa existência.’ Invadindo.”.
(KRENAK, A. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, p. 35-36, 2020.)
No trecho, as preocupações dos pajés evocam
- o trauma de variados povos indígenas das florestas, decorrente das frestas de entendimento sobre o passado colonial extrativista.
- a adoção da diversidade de perspectivas, embora os homens brancos reconheçam a falibilidade do sistema de dominação presente.
- a diferença de perspectivas na relação homem-natureza, com a valorização da busca de um conhecimento não predatório.
- a resistência indígena a partir do sonho de que os homens brancos deixem de ameaçar a existência dos povos originários.
46. (UNICAMP 2025) Leia os versos da canção “Silêncio de um cipreste” – composição de Cartola e Carlos Cachaça.
Todo mundo tem o direito
De viver cantando.
O meu único defeito
É viver pensando
Em que não realizei
E é difícil realizar.
Se eu pudesse dar um jeito
Mudaria o meu pensar.
O pensamento é uma folha desprendida
Do galho de nossas vidas
Que o vento leva e conduz,
É uma luz vacilante e cega,
É o silêncio do cipreste
Escoltado pela cruz.
Nesta canção, é possível afirmar que o eu-lírico
Leia os versos da canção “Silêncio de um cipreste” – composição de Cartola e Carlos Cachaça.
Todo mundo tem o direito
De viver cantando.
O meu único defeito
É viver pensando
Em que não realizei
E é difícil realizar.
Se eu pudesse dar um jeito
Mudaria o meu pensar.
O pensamento é uma folha desprendida
Do galho de nossas vidas
Que o vento leva e conduz,
É uma luz vacilante e cega,
É o silêncio do cipreste
Escoltado pela cruz.
Nesta canção, é possível afirmar que o eu-lírico
- acredita que, assim como todas as pessoas, tem o direito de viver cantando, embora isso seja algo difícil de ser realizado. A principal imagem poética utilizada é a da alegria do canto, o qual é capaz de mudar a vida.
- gostaria de mudar o seu pensamento, aproximando-o da realidade de sua vida, da qual ele se desprendeu. A principal imagem poética utilizada é a do sonho e do devaneio, dissociados da vida real.
- gostaria de mudar o seu pensamento, porque este é marcado pela tristeza e melancolia. A principal imagem poética utilizada é a da morte, presente nas figuras do cipreste e da cruz.
- acredita que pensar seja um defeito que ele gostaria de corrigir, mas não consegue. A principal imagem poética utilizada é a do vento, o qual carrega o eu-lírico independentemente de sua vontade.