Simulado de Sociologia
Simulado com 05 exercícios de Sociologia com gabarito para a Fuvest.
01. (Fuvest 2023) Luc Boltanski e Ève Chiapello demonstram com clareza e sagacidade a capacidade antropofágica do capitalismo financeiro que “engole” a linguagem do protesto e da libertação para transformá-la e utilizá-la para legitimar a dominação social e política a partir do próprio mercado.
Na dimensão do mundo do trabalho, por exemplo, todo um novo vocabulário teve que ser inventado para escamotear as novas transformações e melhor oprimir o trabalhador. Com essa linguagem aparentemente libertadora, passa-se a impressão de que o ambiente de trabalho melhorou e o trabalhador se emancipou.
Assim houve um esforço dirigido para transformar o trabalhador em "colaborador", para eufemizar e esconder a consciência de sua superexploração; tenta-se também exaltar os supostos valores de liderança para possibilitar que, a partir de agora, o próprio funcionário, não mais o patrão, passe a controlar e vigiar o colega de trabalho. Ou, ainda, há a intenção de difundir a cultura do empreendedorismo, segundo a qual todo mundo pode ser empresário de si mesmo. E, o mais importante, se ele falhar nessa empreitada, a culpa é apenas dele. É necessário sempre culpar individualmente a vítima pelo fracasso socialmente construído.
SOUZA, Jessé. Como o racismo criou o Brasil. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2021.
De acordo com o texto, o uso de "colaborador” no lugar de “trabalhador”, no campo das relações de trabalho, indica
- o apagamento da linguagem de reivindicação e a falsa ideia de um trabalhador fortalecido.
- a valorização do trabalhador vigiado pelo Estado nas tradicionais relações empregatícias.
- a difusão da cultura da meritocracia, que fortalece as relações do trabalhador com o Estado.
- a consciência do patrão que rejeita a cultura do neoliberalismo.
- o impedimento de o trabalhador investir na prática do empreendedorismo.
02. (Fuvest 2023) “O ‘País’ abriu quarta-feira em suas colunas o mais interessante dos plebiscitos para solução de um importante problema social: Como deve ser educada a mulher... Trata-se de saber se devemos ser educadas para, pelo casamento, sermos sustentadas pelo homem, ou para nos tornarmos hábeis e prover à nossa própria subsistência pelo nosso único trabalho. Se admitis a primeira hipótese, em que consiste a educação feminina para o casamento? Se preferis a segunda, quais são os gêneros de trabalho em que a mulher pode, sem decair, ganhar a vida em nossa terra? (...) Esta forma de educação requer toda uma ordem de conhecimento que não sejam apenas frívolos. (...) Os nossos costumes, por isso mesmo, são ingênuos e se apoiam em preconceitos e tradições, não admitem ainda a mulher que trabalha. (...) Assim mesmo as professoras já lograram subir um pouco na cotação social. As médicas vão impondo-se pouco a pouco...”.
Carmem Dolores. “A Semana”. Rio de Janeiro, 08/04/1906. In: VASCONCELLOS, Eliane (org.). Carmem Dolores. Crônicas, 1905-1910. Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 1998.
De acordo com o excerto, assinale a alternativa mais adequada para expressar o processo de inserção das mulheres no mundo do trabalho no início do século XX.
- O patriarcalismo e o emprego do dote foram erradicados pelos protocolos jurídicos adotados no regime republicano, favorecendo o reconhecimento social do trabalho feminino.
- A educação feminina dissociava-se das convenções vigentes na sociedade e dos padrões morais preconizados pelo catolicismo.
- O reconhecimento social do trabalho feminino estava limitado à esfera pública, pois o espaço doméstico ainda permanecia marcado pela autoridade masculina.
- O processo de feminização do magistério na escola básica proporcionou o reconhecimento do trabalho das mulheres e a conquista de novos papéis sociais.
- A ruptura do preconceito para com o trabalho feminino nas fábricas, comércio, serviço público e profissões liberais se deu efetivamente após a conquista dos direitos políticos pelas mulheres, em 1934.
03. (Fuvest 2019) “Em nossa época, entretanto, devemos conceber o Estado contemporâneo como uma comunidade humana que, dentro dos limites de determinado território (...) reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física. É, com efeito, próprio de nossa época não reconhecer, em relação a qualquer outro grupo ou aos indivíduos, o direito de fazer uso da violência, a não ser nos casos em que o Estado o tolere: o Estado se transforma, portanto, na única fonte do ‘direito’ à violência”.
WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1970.
“Com a entrada das milícias na disputa por territórios no Rio de Janeiro, elas passaram a se digladiar pelo domínio geográfico das comunidades cariocas e fluminenses (...). Embora as milícias também comandem a comunidade com tirania e sua autoridade se mantenha à base de ameaças, como fazem os traficantes, e aqueles que contestam seu poder possam perder a vida e sofrer torturas, ao contrário do tráfico, os milicianos se vendem como fiadores de mercadorias valiosíssimas: ordem, estabilidade e possibilidade de planejar o futuro, aliança política com o Estado e a polícia. (...) O lado impopular desse modelo é que a maior parte das receitas para bancar o negócio vem da extorsão dos habitantes”.
PAES MANSO, Bruno. A república das milícias. São Paulo: Todavia, 2020.
A partir da definição de Estado proposta por Max Weber e de acordo com a citação de Paes Manso, como é possível analisar a atuação das milícias no Rio de Janeiro?
- As milícias, assim como o Estado, controlam a população e mantêm a ordem em determinado território com o uso ilegal da violência, da ameaça e da extorsão.
- As milícias contribuem para o exercício do monopólio do uso legítimo da violência pelo Estado, pois garantem a imposição da ordem e o controle do tráfico nos territórios que dominam.
- As milícias desafiam o monopólio do uso legítimo da violência física do Estado ao utilizar a violência ilegalmente para controlar determinados territórios.
- As milícias diferenciam-se dos traficantes ao atuar pacificamente em resposta à reivindicação popular por maior estabilidade e ordem nos territórios em que atuam.
- As milícias e os traficantes, assim como o Estado, possuem autonomia e legitimidade para usar a violência e controlar territórios.
04. (Fuvest 2023) I.
“É indispensável romper com todas as diplomacias nocivas, mandar pro diabo qualquer forma de hipocrisia, suprimir as políticas literárias e conquistar uma profunda sinceridade pra com os outros e pra consigo mesmo. A convicção dessa urgência foi pra mim a melhor conquista até hoje do movimento que chamam de ‘modernismo’. Foi ela que nos permitiu a intuição de que carecemos, sob pena de morte, de procurar uma arte de expressão nacional”.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. O lado oposto e outros lados, 1926.
II.
“Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas ideias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra”.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil, 1936.
Os dois excertos do historiador e crítico literário Sérgio Buarque de Holanda salientam que a cultura brasileira somente completará a sua formação quando
- souber reproduzir fielmente os modelos externos.
- importar uma estética à altura da sua genialidade.
- abolir a necessidade de figurar o caráter nacional.
- deixar a posição de colônia e se tornar metrópole.
- firmar, na arte e na vida social, a sua autenticidade.
05. (Fuvest 2022) No cerne da ideologia Bannon há uma série de contrastes extraordinariamente simplificadores entre bom e mau, sagrado e profano. Essa série semiótica cria perigosos outros, cuja existência contínua ameaça a boa gente que constitui o que Bannon descreve como a “verdadeira América”(...). Numa ordem social democrática, o conflito entre oponentes partidários é agonístico, não antagonístico. Bannon vê de outra forma. Não há espaço para a cortesia em seu universo (...).
Jeffrey Alexander. “Vociferando contra o iluminismo: A ideologia de Steve Bannon”. Sociologia & Antropologia, vol. 08, n. 3, set-dez, 2018.
O antagonismo é a luta entre inimigos, enquanto o agonismo representa a luta entre adversários. (...) o propósito da política democrática é transformar antagonismo em agonismo. Isso demanda oferecer canais por meio dos quais às paixões coletivas serão dados mecanismos de expressarem-se sobre questões que, ainda que permitindo possibilidade suficiente de identificação, não construirão o opositor como inimigo, mas como adversário.
Chantal Mouffe. “Por um modelo agonístico de democracia”. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 25, nov. 2005, p. 11-23.
A primeira citação foi retirada de um texto em que o sociólogo Jeffrey Alexander desenvolve o que compreende ser a ideologia de Steve Bannon, assessor do ex-presidente norteamericano Donald Trump. A segunda citação foi extraída de um artigo em que a cientista política Chantal Mouffe desenvolve a noção de “pluralismo agonístico”.
A partir da perspectiva apresentada nas citações, é correto afirmar que a ideologia de Steve Bannon
- defende uma ordem social agonística baseada na divisão entre grupos e nos conflitos entre inimigos políticos.
- sustenta uma ordem social baseada em consensos e que não admite conflitos entre adversários.
- defende a possibilidade de conflitos entre adversários, mas não admite a lógica antagonística da aniquilação e exclusão do inimigo.
- defende uma ordem social dividida entre bom e mau e que transforma o antagonismo em agonismo.
- sustenta uma ordem social antagonística fundada na divisão da sociedade entre lados opostos que devem ser entendidos como inimigos.